Desequilíbrio térmico

Desequilíbrio térmico #


Um planeta está em equilíbrio térmico quando a energia que ele emite para o espaço (calor radiante) é igual à energia que ele absorve do Sol. Neste caso, a temperatura do planeta tende a permanecer constante. Por outro lado:

(i) quando o planeta emite mais energia para o espaço do que recebe do Sol, ele tende a esfriar até recuperar o equilíbrio térmico em uma temperatura mais baixa; e

(ii) quando o planeta emite menos energia para o espaço do que recebe do Sol, ele tende a esquentar até recuperar o equilíbrio térmico em uma temperatura mais alta.

Nestes dois casos, diz-se que há um desequilíbrio térmico no planeta.

Em condições naturais, pequenas variações milenares nas órbitas planetárias criam situações de desequilíbrio térmico, que por sua vez provocam alterações naturais na temperatura média dos planetas. Por exemplo, pequenas variações na órbita da Terra provocaram épocas mais quentes ou mais frias no passado, sendo estas últimas chamadas de “idades do gelo”.

Na Terra, o equilíbrio térmico está muito associado à quantidade de dióxido de carbono (CO2) presente na atmosfera do Planeta: pequenas variações desta quantidade estão relacionadas ao seu aquecimento ou resfriamento, devido à maior ou menor retenção da energia proveniente do Sol (o famoso “efeito estufa”).

Assim, a questão do equilíbrio térmico da Terra pode ser visualizada em um gráfico com a concentração atmosférica de CO2 no eixo horizontal e o aumento da temperatura média do Planeta no eixo vertical:

 

 gráfico 1

Neste gráfico, a curva azul representa os possíveis pontos de equilíbrio do sistema climático da Terra. Não há apenas um estado de equilíbrio térmico: ele pode ocorrer em diversos níveis de temperatura. O ponto azul sobre o eixo horizontal, por exemplo, corresponde ao equilíbrio pré-industrial do Planeta, antes da queima em larga escala de combustíveis fósseis (carvão, gás e petróleo). Neste ponto (ano 1750), a concentração atmosférica de CO2 é de 280 ppm (partes por milhão) e o aumento da temperatura é zero, pois este ano é o nosso ponto de referência.

Se as emissões tivessem sido muito mais lentas do que foram, o processo de aquecimento do Planeta seria representado pela subida do ponto pela curva azul, isto é, a Terra teria esquentado (aumento da temperatura, eixo vertical) sem se afastar do equilíbrio térmico (curva azul). Neste caso, a interrupção das emissões provocaria o fim imediato do aquecimento. Porém, o que aconteceu desde 1750 está representado na imagem abaixo:

 

 gráfico 2

O afastamento entre a linha vermelha (trajetória real de aquecimento do Planeta ) e a curva azul (de equilíbrio) é devido à velocidade com que o dióxido de carbono foi emitido nos últimos séculos. O desequilíbrio térmico atual da Terra é representado no gráfico acima pela distância do ponto vermelho atual (2020) até curva azul. Este desequilíbrio é resultado das emissões passadas, e ele continua aumentado, como podemos ver na imagem acima.

O objetivo da Convenção do Clima da ONU é evitar que a temperatura do Planeta atinja níveis perigosamente altos e provoque o colapso irreversível do sistema climático. O Acordo de Paris fixou o nível máximo seguro de aquecimento como 2°C, sendo “desejável” limitar o aumento da temperatura a 1,5°C. Estes dois limites estão indicados no gráfico seguinte:

 

 gráfico 3

Se o desequilíbrio térmico atual fosse pequeno, não seria tão difícil evitar que o aquecimento da Terra ultrapassasse os limites de segurança. A dificuldade atual é exatamente o grau de desequilíbrio já atingido, em função da velocidade das emissões passadas (ou seja, o afastamento entre as duas curvas).

No gráfico abaixo, adicionamos as trajetórias correspondentes a cinco dos principais cenários futuros para o clima do Planeta analisados pelo IPCC:

  • os mais otimistas SSP1-1.9 (azul claro) e SSP1-2.6 (roxo) correspondem a reduções significativas nas emissões;

  • os mais pessimistas SSP3.1-7.0 (vinho) e SSP5-8.5 (marrom) ao crescimento das emissões;

  • e o cenário moderado SSP2-4.5 (laranja) corresponde à continuação das tendências atuais.

 

 gráfico 4

Os pontos sobre as curvas dos cenários indicam os anos múltiplos de 10, ou seja, 2030, 2040, e assim por diante (estas datas não foram inseridas no gráfico acima a fim de não polui-lo). Comparando os cinco cenários, vemos que em 2030 eles já diferem quanto às concentrações atmosféricas de CO2; e mais ainda em 2040. No entanto, o aumento da temperatura em 2030 não difere muito entre os cenários (estão todos entre 1,2 e 1,3°C); e mesmo no ano 2040, os aquecimentos nos cinco cenários giram todos em torno de 1,5°C, como está indicado na imagem abaixo:

 

 gráfico 5

Ou seja, o gráfico nos mostra que, mesmo com uma redução severa das emissões nos próximos anos (cenário SSP1-1.9, azul claro no gráfico), a temperatura da Terra continuará subindo nas próximas duas décadas, e as mudanças climáticas decorrentes deste aquecimento continuarão se agravando. Por quê?

Por causa do desequilíbrio térmico atual do Planeta, provocado pelas emissões passadas. Com efeito, o aquecimento é a resposta do sistema climático ao desequilíbrio térmico atual: quanto maior o desequilíbrio, maior a reação restaurativa do sistema. Uma analogia simples: uma mola comum não tracionada está em “equilíbrio elástico”; se esticarmos a mola pelas extremidades, ela reagirá, exercendo uma “força restaurativa”, que tende a encolhê-la de volta, ou seja, que tende a restaurar sua forma de equilíbrio. Quanto maior for a deformação da mola, mais distante ela está do equilíbrio elástico, e maior será sua força restaurativa.

Obviamente, o sistema climático da Terra é muito mais complexo do que uma mola, inclusive ele não tem apenas um ponto de equilíbrio térmico, mas vários (todos os pontos sobre a curva azul). Porém, a analogia com a mola é válida para se entender por que o desequilíbrio térmico atual condiciona as mudanças climáticas no futuro próximo.

No entanto, o gráfico acima nos também mostra que as emissões futuras serão determinantes da continuação ou não do aquecimento após um período de 20 ou 30 anos: no cenário de rápida transição para uma economia global de baixo carbono (SSP1-1.9, azul claro no gráfico), o aumento da temperatura não deve passar de 1,6°C, e retornará para menos de 1,5°C antes do final do século; enquanto no cenário SSP2-4.5 (laranja no gráfico), de descarbonização lenta, a temperatura do Planeta pode passar bastante do limite de segurança de 2°C, com consequências potencialmente catastróficas.

A dinâmica climática global reflete o fato de o aquecimento do Planeta ser provocado pelas altas concentrações atmosféricas de GEE, e não diretamente pelas emissões destes gases. Assim, hipoteticamente, se as emissões (líquidas) forem zeradas amanhã, as concentrações no dia depois de amanhã permaneceriam tão altas quanto hoje, e portanto a Terra continuaria a esquentar na mesma velocidade que hoje. Com o tempo, se as emissões continuassem nulas, as concentrações atmosféricas começariam a cair lentamente e, aos poucos, a taxa de aquecimento do Planeta diminuiria. Dessa forma, o equilíbrio térmico seria restaurado apenas depois de muito tempo.

Assim, as mudanças climáticas nas próximas duas décadas já estão determinadas pelas emissões passadas, e não dependem das emissões realizadas de hoje em diante. Portanto, para planejar a adaptação às mudanças climáticas dentro de um horizonte 20 anos, não é necessário nem conveniente trabalhar com cenários de emissões ou de concentrações futuras de GEE.

Como se lê no Sexto Relatório de Avaliação do IPCC:

Scenarios with very low or low GHG emissions (SSP1-1.9 and SSP1-2.6) lead within years to discernible effects on greenhouse gas and aerosol concentrations and air quality, relative to high and very high GHG emissions scenarios (SSP3-7.0 or SSP5-8.5). Under these contrasting scenarios, discernible differences in trends of global surface temperature would begin to emerge from natural variability within around 20 years, and over longer time periods for many other climatic impact-drivers (high confidence). [AR6, WG1, SPM, D.2]

Ou seja, o aquecimento global e as mudanças climáticas certamente persistirão nos próximos 20 anos, e continuarão a impactar as vazões dos rios brasileiros. Neste período, o que se pode esperar é a continuação das tendências observadas nas últimas décadas:

Water cycle changes that have already emerged from natural variability will become more pronounced in the near term (2021–2040),… [IPCC, AR6, WG1, p. 1059]

Portanto, os impactos das mudanças climáticas já observados nas vazões dos rios brasileiros vão se tornar mais pronunciados nas próximas duas décadas. Este é o fundamento climatológico da metodologia utilizada para a projeção das vazões dos rios brasileiros até 2040.



Última atualização em 10/ago/2023.